ORDEM VERSUS ENTROPIA
(O caminho do meio – Lou Marinoff)
Um desiquilíbrio fundamental entre o caos (a desordem) e o
cosmo(a ordem) é tecido nas malhas do universo.
É mais fácil derrubar um castelo de cartas do que erguê-lo. Um furacão
ou um tornado pode causar danos tremendos, destruindo, em segundos, construções
que levaram meses para ser erguidas. Um ato de infidelidade ou de crueldade
pode ruir um relacionamento que levou meses ou anos para se desenvolver. Um ato
de guerra pode rapidamente fazer cair por terra décadas de diplomacia e,
instantaneamente, destruir vidas que levaram décadas para crescer e amadurecer.
“Entropia” é o nome que físicos associam à segunda lei da
termodinâmica, que conduz sistemas físicos – sejam amebas ou galáxias – de
estados ordenados a estados crescentemente desordenados. É a energia não recuperável
que alguém tem que despender para fazer alguma coisa, desde ferver água a
administrar empresas. A entropia é um desperdício cosmicamente obrigatório –
100% de garantia para tornar todos os processos menos do que 100% eficientes. É
também a lei de Murphy: o que quer que possa dar errado, dará errado. Confúcio
entendia a entropia moral bastante bem. Ele escreveu: “ É assim que o esquema das coisas funciona. As coisas boas são difíceis
de obter. As coisas ruins são fáceis de conseguir.”
A entropia aumenta com o fluxo continuo do tempo, o que
explica a razão pela qual sir Arthur Eddington chamou-a de “flexa do tempo”. Ao
final, o próprio universo alcançará um estágio de entropia total ou “morte do
calor, no qual todo o movimento molecular e mesmo a vibração atômica cessarão.
Finalmente, a paz e a quietude prevalecerão – mas talvez não por muito tempo.
Se a cosmologia védica estiver correta, do caos derradeiro surge o caos
renovado, e com ele, um outro imenso
ciclo de criação, preservação e aniquilamento. Os dois são também complementares.
A vida, em si, é uma corporificação altamente improvável de
entropia negativa. Seres vivos são sistemas muito mais complexamente
organizados do que coisas inanimadas. Os humanos são mais complexos do que
outros seres terrestres, mas por essa razão são também mais estáveis e mais
propensos a navegar na turbulência da entropia rumo aos desequilíbrio e à
desordem. Famílias e sociedades humanas são ainda mais complexas, porque
combinam todas as complexidades dos indivíduos com as propriedades adicionais dos
relacionamentos e dos grupos. A vida, em si de alguma maneira evolui, mas todas
as formas individuais de vida culminam na morte, depois da qual sua matéria
física se torna desordenada e dispersa pela entropia. Toda vez que respira você
provavelmente está inalando uma molécula que costumava fazer parte de
Aristóteles, ou Buda, ou Confúcio. Infelizmente, a sabedoria deles não vem
embrulhada com suas ex-moléculas: estamos diante, mais
uma vez da entropia. Embora Confúcio não tenha estudado física ou biologia como
fazemos atualmente, ele, no entanto, entendia a tendência natural rumo à
desordem nos assuntos humanos e nas sociedades humanas, e procurou caminhos
para alcançar e manter o máximo de equilíbrio e de ordem possíveis, desde o
indivíduo até a família, da comunidade até o Estado.
Confúcio teria concordado com Aristóteles de que a família é
a unidade fundamental do Estado, assim como um Estado em miniatura. Para que
tudo esteja bem no Estado, tudo deve estar bem na família. Como ele disse em Analectos: “Para se colocar o mundo em ordem, precisamos primeiro colocar a família
em ordem.” Famílias desordenadas levam a nações desordenadas e nações
desordenadas, a um mundo desordenado. A ideia de Confúcio de que a família é um
Estado em miniatura antecipou em 2500anos, um tipo especial de geometria, a
geometria dos “fractais”. Os fractais
contem padrões auto semelhantes a cada
nível de aumento. A filosofia e a cultura chinesa nunca alienaram o homem da
natureza como o Ocidente fez de maneira
tão decisiva e para seu perigo crescente.
Os chineses, em vez disso , refletiram sobre os padrões que relacionavam
o homem à natureza, coisa que o Ocidente está apenas começando a descobrir
novamente.
Confúcio também teria concordado com a visão budista de que
os conflitos externos – seja no seio da família ou entre nações – são
manifestações de conflitos internos não resolvidos, sejam eles oriundos dos
pais, como indivíduos, ou de culturas inteiras. As crianças herdam não somente
os genes dos pais, mas também seus preconceitos e vícios, juntamente com outra
bagagem psicológica. Quando mais tempo essa bagagem é carregada, mais difícil
é perde-la e mais enraizados se tornam
os conflitos. “A força de uma nação advém
da integridade do lar”, insistia Confúcio em seu Analectos. E a fraqueza de uma nação advém da desintegração de seus
lares.
“integridade” tem dois significados relacionados, ambos
surgindo do conceito de inteireza. Primeiramente, uma pessoa que tem
integridade está inteira no sentido que as partes dele ou dela estão alinhadas,
e não em conflito umas com as outras. “Inteiro”, em si, tem relação com “são” –
uma palavra mais antiga para “sadio” – como em “são e forte”. Desta forma
integridade significa saúde. Em segundo lugar, a geometria helênica colocava
muita ênfase nos números inteiros, que, como o próprio nome diz, são inteiros.
A integridade dos números era Vital não somente para a geometria grega, mas
também porque representava um elo com a integridade das pessoas e das
sociedades politicamente organizadas. Aristóteles teria concordado com Confúcio, que afirmava que pessoas de
integridade contribuem para um lar, uma
família, uma comunidade e uma humanidade integrais.
É sempre irônico, e por vezes trágico, que a função dos pais
seja o trabalho mais importante da vida, e, contudo, não se espera que ninguém
preencha nenhum requisito ou tenha qualificações para fazê-lo. Confúcio, assim
como Buda, defende a ideia de que a batalha familiar resulta de problemas mal resolvidos
com os pais. Como Confúcio mencionou em Analectos:
“Para colocar a família em ordem,
primeiramente temos que cultivar nossa vida pessoal; precisamos colocar nosso
coração em ordem”. Aristóteles
sugeria essa possibilidade através da contemplação e da proporção áurea, Buda
através da conscientização e do Caminho do Meio e Confúcio através da virtude e
do próprio caminho (tao).
Confúcio e Aristóteles divergem, todavia, em uma questão
fundamental, a saber, quem será favorecido quando os interesses do indivíduo
entrarem em conflito com os interesses do coletivo – a família, a comunidade, a
sociedade politicamente organizada. Suas respostas divergentes sempre emergirão
quando examinarmos tópicos diferentes e fornecerão um interessante estimulo
para a reflexão. Em poucas palavras, resume-se nisso: Aristóteles acreditava
que o objetivo principal de todo ser humano é ser feliz ou realizado. A
realização é obtida através do desenvolvimento da excelência no contexto da
prática das virtudes. Esses objetivos aristotélicos são realizados por e para indivíduos.
Com Confúcio, é o oposto: o objetivo principal de cada ser humano é cumprir
seus deveres e responsabilidades exigidos pelo lugar que ocupa na ordem
política, familiar e comunal, como exigida pela natureza. A felicidade vem como
decorrência desse fato. Confúcio prioriza o coletivo em detrimento do
individual.