segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Sucatas da educação, por Flávio Tavares *

24 de agosto de 2008 | N° 15705
ARTIGOS
Sucatas da educação, por Flávio Tavares *

O futebol é a cara do Brasil, seu rosto mais autêntico. Nem a telenovela das oito o supera. A telenovela expressa melhor do que tudo a psicologia social das expectativas e sensações, mas é ficção e fica no mundo dos desejos. O futebol, porém, é realidade mesmo.

Ou o que vimos no jogo com a Argentina, nas Olimpíadas, não foi nossa habilidade e destreza tornar-se brutalidade truculenta (e inútil) pela incapacidade dos dirigentes? Só inconfessáveis interesses dos chefetes da CBF podem ter transformado em técnico da Seleção o nosso Dunga, correto, mas inexperiente no posto. Soldado raso não chega a general só por ter sido herói em antigas batalhas!

A improvisação descaracteriza tudo e leva ao desastre. Na vida, perder não é indecoroso. Mas, com o prestígio que tem, nosso futebol não pode usar a violência para superar a descaracterização. Muito menos quando o “espírito olímpico” é o da confraternização.

No vôlei, arrasamos a China, mas o belo, mesmo, foi ver os derrotados jogadores chineses abraçando os vencedores e pedindo fotografar-se com eles.

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No ensino, a improvisação é, obviamente, mais nefasta que no futebol. Educar é preparar o futuro, sem outra gratificação que o futuro em si. Um sacerdócio. Mas a exigência de diploma para quase tudo massificou a educação superior e desorganizou as faculdades públicas. No ensino privado, em vez de escolas surgem “empresas” com visão mercantil.

Dias atrás, este jornal noticiou a preocupação dos setores educacionais gaúchos com a ação da Anhangüera Educacional Participações SA, grupo mercantil do interior paulista que comprou faculdades em Pelotas, Rio Grande e Passo Fundo e busca “mais negócios” na área metropolitana. O grupo paulista (com ações na Bolsa) é empresa abertamente comprometida com o lucro, daquelas de diploma certo, sem muitas exigências além das mensalidades.

Outra é a tradição de nossas instituições privadas sérias, voltadas para o ensino, não para o lucro, dirigidas por entidades religiosas ou comunitárias. A PUC, a Unisinos, a Feevale ou a Unijuí são os melhores exemplos.

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Na mesma data, Paulo Brossard (do alto da sua experiência no governo e na Justiça) advertia para a precariedade do ensino no Brasil. “Quando se fala em curso superior, supõe-se que realmente seja superior”, escreveu neste jornal. Mas, “pelo número de cursos superiores que surgem, pode-se imaginar a qualidade de boa parte deles”, frisou, lembrando que dos 508 avaliados por especialistas como “não satisfatórios”, 64 são públicos (23 federais) e “os restantes particulares”.

Agora, para agravar o quadro, a educação se transforma em brechó que compra e vende tudo, do usado ao novo. Criar uma universidade pressupõe um programa profundo e diferenciado, em que ensino e pesquisa se complementem. Por isso, as instituições de Ensino Superior não se compram como carro ou refrigerante, pois cada uma delas é única.

Programa de ensino não é garota de programa, que passa de mão em mão como se estivesse sempre numa só mão.

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O conhecimento é universal, não tem dono. Já pensaram nos bisnetos de Einstein cobrando dividendos pela aplicação da Teoria da Relatividade? Ou se um grego descendente de Pitágoras cobrasse pelo uso do teorema da soma dos quadrados dos catetos e da hipotenusa?

Se o Ministério da Educação continuar inerte face à realidade do ensino, corremos até esse risco no Brasil! Em busca de dinheiro, o ensino virou gazua para abrir cofre e encher o bolso em troca de diploma fácil.

Há anos, não há exigência de projeto pedagógico, até porque o ministro da Educação não parece ter projeto algum. Não sai do gabinete em Brasília, como se o ensino estivesse nos papéis, não no conteúdo real dos programas nas faculdades públicas e privadas.

O ministro Haddad é como o Dunga. Correto e interessado, mas sem passado. Uma sucata jovem.

* Jornalista e escritor